Sou Yeluar, a árvore
mais velha de uma floresta que outrora existiu. No meu tronco, nas
minhas folhas, ficaram marcados todos os dias, todas as semanas, todos os
meses, estações e anos, ao longo dos tempos. As minhas flores cantaram e
dançaram sob o azul de um céu que já não vejo existir. Vi nascer e morrer
muitas outras árvores que, como eu, foram testemunhas da implacável destruição
e devastação, do crime e do terror que sobre nós se abateu.
Antes tudo era verde, os
pássaros cantavam pousados sobre os meus ramos que se erguia com orgulho, como
grandes braços numa prece em direcção aos céus. O sol nascia por trás das
montanhas e, como uma luz infinita, banhava as nossas folhas com reflexos de ouro.
O rio murmurava segredos por entre a erva e muitos eram os animais que nele se
saciavam. Quando o Inverno chegava, tudo se cobria de branco, e os meus ramos,
já sem folhas, brilhavam cobertos de gelo, à luz de um sol prateado. O rio
congelava, transformando-se no mais perfeito e silencioso dos espelhos. Mas
logo surgia a Primavera, doce e suave, e tudo renascia de novo. Seguíamos uma
ordem harmoniosa e os ciclos seguiam-se naturalmente. À noite sucedia o dia, e
a seguir ao dia chegava a noite, calma e serena, com o seu céu salpicado de
pequenos pontos brilhantes. A lua surgia onde antes o sol reinara. Ouvia-se o
som misterioso do canto dos seres nocturnos e a canção da vida daqueles que
caminhavam durante o dia. Tudo era correcto e livre. Seguíamos o nosso curso
natural e éramos felizes.
Contudo, sem que desse conta,
os tempos mudaram.
Um dia recebemos estranhas
visitas e a poderosa e densa floresta abriu-lhes o coração, partilhando
inocentemente os nossos segredos e mistérios. No princípio, os nossos
visitantes seguiram as regras da paz e harmonia. Afinal, eram apenas mais uma
espécie, por entre tantas outras. Mas não demorou muito para que os seus números
aumentassem, e as regras começaram a ser infringidas. Autointitularam-se soberanos
do mundo e fizeram da floresta o que queriam e desejavam. Destruíram, mataram,
e o que em tempos fora um mar eterno de verde fulgurante, rapidamente se tornou
numa pequena mata. O rio deixou de cantar, as suas águas cristalinas
escureceram, o seu curso foi desviado e a vida acabou por o abandonar. O céu
deixou de ser azul e ganhou uma tonalidade cinzenta. A noite, essa, deixou de
ser tão negra e os seus salpicos brilhantes perderam a luz. A seguir surgiram
estradas, fábricas, prédios, e a pequena mata passou a ser um jardim.
Da minha floresta nada
restou, para além de mim. Colocaram uma cerca em volta do meu tronco, que dizem
ser para me proteger, e aqui estou eu. As forças já me faltam. Já não tenho
folhas para escrever o meu testemunho. Apenas me resta uma, pálida, engelhada e
frágil. Os meus olhos deixaram de ver o sol brilhante e dourado. Já não sou
forte nem viçosa, como me recordo de ter sido. As minhas únicas companhias são
dois pardais, que quase asfixiam devido à poluição que contamina o ar. Mas em
breve tudo terminará. E quem é que se importa? Durante anos e anos dei as
minhas folhas ao vento, para que levasse as minhas súplicas para longe, mas
quem é que as ouviu? Hoje dou a minha ultima folha e o meu último suspiro.
Olho agora para um céu
outrora azul e recordo o cantar dos pássaros, o murmurar do rio, o sol dourado
e a magia do vento por entre as minhas folhas. Este último sonho embalará o meu
último alento de vida. Tudo era belo… mas já não é…
Adeus mundo. Adeus…
1996
1 comentários:
Sofia...este texto está SIMPLESMENTE ESPECTACULAR e a tua escrita é SOBERBA E GENIAL!
NÃO PARES DE ESCREVER,OK?
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João Canais do Google+
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